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Poema a Boca Fechada

Não direi:
Que o silêncio me sufoca e amordaça.
Calado estou, calado ficarei
Pois que a língua que falo é doutra raça.

Palavras consumidas se acumulam
Se represam, cisterna de águas mortas,
Ácidas mágoas em limos transformadas,
Vasa de fundo em que há raízes tortas.


Não direi:
Que nem sequer o esforço de as dizer merecem,
Palavras que não digam quanto sei
Neste retiro em me não conhecem.

Nem só lodos a se arrastam, nem só lamas,
Nem só animais bóiam, mortos, medos,
Túrgidos frutos em cachos se entrelaçam
No negro poço de onde sobem dedos.

Só direi,
Crispadamente recolhido e mudo,
Que quem se cala quanto me calei,
Não poderá morrer sem dizer tudo.


(Os Poemas Possíveis, José Saramago)



Copyright Centro Vegetariano. Reprodução permitida desde que indicando o endereço: http://www.centrovegetariano.org/literatura/index.php?print=1&article_id=462

Inserido em: 2005-07-15 Última actualização: 2010-06-19

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Autores > José Saramago
Temas > Literatura
Poemas





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