O problema dos RIP

(resíduos industriais perigosos)

(Continuação deste artigo ).

Em 15/04/99, a Assembleia da República aprovou a Lei n.º 20/99, que suspendeu o DL 273/98 de 2/09, respeitante à co-incineração de RIP. Determinava a constituição, por decreto-lei, de uma comissão científica independente (CCI) para relatar e dar parecer relativamente ao tratamento de resíduos industriais perigosos.
Nos três meses seguintes a contar da data da publicação do relatório da Comissão, o Governo procedeu à revisão do DL 273/98, de 2/09, tendo em conta as conclusões da Comissão. E no mesmo dia, pelo DL 121/99, foram introduzidas pequenas alterações necessárias à articulação dos decretos, anteriormente aprovados pelo Governo e pela Assembleia da República.

Em 16/04/99, pelo DL 120/99, determinou-se que a co-incineração de resíduos industriais perigosos nas unidades cimenteiras de Souselas (Coimbra) e de Maceira (Leiria) ficaria dependente da CCI (Comissão Científica Independente). Definiram-se a constituição e a competência da CCI e demais parceiros no processo.
Por um lado, atribuiu-se à CCI o encargo de estudarem o processo de co-incineração e posteriormente a autorização de o conduzir e fiscalizar.

O processo de co-incineração, que inicialmente tinha sido proposto só para os resíduos industriais perigosos incineráveis, passaria a ser atribuído a todos os resíduos industriais perigosos.
Esta falha (por distracção?) na escrita legislativa, permitiu à oposição levantar um coro de protestos, evocando que se iria fazer a co-incineração de resíduos tóxicos com grande perigo para a saúde das populações que habitam nas proximidades das cimenteiras.
Pela Lei nº 149/99, de 3/09, foi introduzida uma alteração ao DL 120/99, modificando a constituição da CCI que inicialmente seria formada por 6 elementos e passou a ser só de quatro: três nomeados pelo Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP) e um pelo Ministro do Ambiente.
A CCI, em Maio de 2000, apresentou o primeiro relatório «Parecer Relativo ao Tratamento de Resíduos Industriais Perigosos». Recomendou o processo de co-incineração em fornos de unidades cimenteiras para alguns resíduos industriais bem determinados e recomendou os métodos a utilizar na fiscalização do processo.

A oposição não o aceitou como completo e exigiu que fossem feitos inquéritos médicos ao estado de saúde da população antes de se fazer qualquer ensaio na cimenteira.
Nos termos da Lei nº 22/2000, de 10/08, compete à CCI elaborar um relatório médico específico sobre o impacto na saúde pública dos processos de queima de RIP. Para elaboração desse relatório foram nomeados um representante de cada uma das Faculdades de Medicina das universidades públicas, escolhidos pelo respectivo conselho científico, e um representante da Ordem dos Médicos.
Em 11/12/2000, terminados os trabalhos, apresentaram um relatório emitindo um parecer positivo ao desenvolvimento das operações de co-incineração de RIP.

Por despacho do dia seguinte, a 12/12/2000, o Ministro do Ambiente determinara:
* o envio imediato do relatório do Grupo de Trabalho Médico à Assembleia da República.
* A abertura, a partir de 28/Dez., de um período de 60 dias para discussão pública.

Por despacho do dia 9/04/2001 o Ministro do Ambiente determinara igualmente:
"... 3º - Confirmo as recomendações e conclusões dos relatórios da CCI, designadamente a localização do projecto de co-incineração nas unidades cimenteiras de Souselas (Coimbra) e Outão (Setúbal), nos termos e com as limitações ali indicadas.
... 4º -- Autorizo a prossecução do procedimento administrativo conducente à realização de uma fase de ensaios nas unidades cimenteiras, sob a supervisão da CCI."

Finalmente, em Agosto de 2001, começaram os preparativos no forno n.º 2 da Cimpor em Souselas, que culminaram com os testes de 04 a 06/03/2002.
Para se efectuarem os testes, o combustível auxiliar (CA) foi preparado a partir de resíduos depositados em lagoas controladas pelo Instituto Nacional da Água (INA), na região de Sines, que são constituídos fundamentalmente por materiais oleosos, resultantes das operações de refinação de petróleo e da indústria petroquímica. Estima-se que nas instalações de Sines (Stº André) se encontrem cerca de 200 000 toneladas de RIP. Análises efectuadas aos resíduos de Sines, em 10 locais diferentes, mostraram uma composição rica em hidrocarbonetos, com níveis razoáveis de hidrocarbonetos poliaromáticos, e a presença de contaminação vestigial com vários metais. As análises indicaram também uma contaminação bastante importante com água, previsivelmente água das chuvas, já que os depósitos são efectuados em lagoas a céu aberto.

Os ensaios no forno n.º 9 da cimenteira da Secil, no Outão, decorreram entre 18 de Fevereiro e 11 de Março de 2002 e, segundo a CCI, permitiram confirmar, de forma objectiva, a adequação da co-incineração em unidades cimenteiras para o tratamento de RIP, cujo destino final requer a destruição térmica.
No que diz respeito aos poluentes mais perigosos para o ambiente e para a saúde pública - metais pesados e dioxinas/furanos -, não se verificaram quaisquer emissões acrescidas pela combustão de RIP, até uma substituição em energia de cerca de 15%, praticado em relação ao combustível habitual. Verificou-se ainda que as emissões de tais poluentes estavam muito abaixo dos limites permitidos pela nova Directiva Europeia (76/CE/2000) para o processo de co-incineração.

Também não se verificaram emissões acrescidas com significado estatístico para outros poluentes.
Das melhorias ambientais que vieram associadas à implementação do processo de co-incineração, merece particular relevo a enorme diminuição das emissões de poeiras pela chaminé, por incorporação de filtros de mangas, a jusante dos filtros electrostáticos. Assim, elimina-se um dos tradicionais impactos negativos da indústria dos cimentos em Portugal.
Posteriormente, com as eleições legislativas (novo Governo PSD), Isaltino Morais, o novo Ministro das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente e a CCI - Comissão Científica Independente para a co-incineração - entraram em rota de colisão. Apanhado desprevenido (02/05/2002), pela divulgação do relatório sobre os testes na cimenteira do Outão, o novo ministro afirmou que as posições dos cientistas não passam de um manifesto político em reacção à extinção da referida comissão. E anunciou que essa decisão chegaria brevemente a Conselho de Ministros.

A CCI manifestou discordância e referiu que os testes do Outão demonstravam que a Secil tinha as condições necessárias para avançar com o processo. E acusou o Governo de desrespeitar a comunidade científica, ignorando pareceres pedidos, enquanto partido da Oposição, e de favorecer a arruaça.
A CCI entende que estão a ser tomadas decisões importantes para o País e para a saúde pública para arrepio da racionalidade científica e técnica.
Em paralelo, a Quercus (Associação Nacional de Conservação da Natureza), ao mesmo tempo que criticara a leitura dos testes no Outão, não deixou de reconhecer que os resultados permitiam alguma tranquilidade, pelo menos, quanto à queima de alguns dos resíduos, já que, na sua opinião, a CCI deveria ter testado outro tipo de RIP, que não apenas lamas provenientes das lagoas de Sines. Acabando por se colocar ao lado do Governo, a Quercus recordou o despacho em que o ministro suspendeu o processo de co-incineração: "É necessário saber quais as alternativas e conhecer melhor a caracterização dos resíduos existentes."

O argumento, invocado pelos ambientalistas e também pelo despacho do ministro, é que deveria existir uma "hierarquia de preferência". Ou seja, só deveriam ser incinerados os resíduos para os quais não houvessem alternativas de valorização ou reciclagem (isto já em 2/05/03). Isaltino Morais defendeu-se, dizendo que o avanço da co-incineração é um "estímulo negativo" a essas soluções.
Em 6/02/03, foi noticiado: "Resíduos industriais já têm destino: O Governo já decidiu o destino final a dar aos resíduos industriais perigosos (RIP). Abandonando em definitivo a co-incineração, o Executivo optou pela constituição de um ou dois centros integrados de redução, reciclagem e tratamento, a entregar aos privados. Em cada uma daquelas unidades, os RIP serão sujeitos a várias formas de tratamento, que não a queima (incineração dedicada ou co-incineração), para poderem depois ser depositados em aterro. A decisão do ministério do Ambiente será anunciada hoje, aos deputados."

Porém, com a mudança de ministro, o anúncio da nova directiva veio a ser feito em 16/05/03 pelo novo ministro do Ambiente, Amílcar Theias, que fez a apresentação pública dos novos dados decorrentes do estudo elaborado por seis universidades.
Contas feitas, deram os seguintes resultados: há no território português uma produção de 29 milhões de toneladas de resíduos industriais banais (de que o grande volume decorre da actividade da construção civil); os perigosos cifram-se em 254 mil toneladas, das quais metade são óleos usados. Os resíduos perigosos equivalem a pouco menos de 1% dos resíduos industriais totais.
Os óleos usados vão ter uma entidade gestora, a ser encarregada da regeneração. As fases do processo de constituição e operação estão programadas com um horizonte previsto até 2007 e uma tabela de 85% dos óleos recolhidos.

Os cálculos de agora incluem na classificação de resíduos industriais banais mais de 13 milhões de toneladas, resultantes da exploração e tratamento de materiais em minas e pedreiras.
Decorrido um mês sobre a apresentação pública dos novos dados feita pelo ministro do Ambiente, e não tendo sido publicada cópia do relatório das Universidades, não temos grande margem de informação credível que nos permita fazer uma apreciação mais consistente do que a seguinte:
* Os valores indicados para os resíduos perigosos já eram conhecidos desde 1998, cifrados em 254 mil toneladas.
* O estudo nada acrescentou ao que era conhecido e assim não justifica a alteração de estratégia que o Governo impõe.
* A percentagem de RIP mantém-se, pelo que não valeu a despesa que se fez com o estudo. Já sabíamos que é necessário adoptar uma solução para os resíduos perigosos orgânicos e construir um aterro próprio para os resíduos perigosos inorgânicos, havendo a incineração dedicada ou a co-incineração para os resíduos perigosos orgânicos.
* Numa entrevista a um dos membros da ex-CCI, publicada na mesma altura, na sua opinião, o Governo, ao privilegiar o aterro como destino final dos RIP, faz uma opção criminosa. É extremamente perigosa e vai fazer com que estes aterros sejam uma espécie de bomba de relógio ambiental. Daqui a 100 anos ainda pode haver problemas.

Lembramos o que se passou nos EUA, especialmente em Niagara Falls, com o aproveitamento do Love-Channel ( http://www.centrovegetariano.org/index.php?destin=article&op=show&article_id=200 ). Nos sítios onde se depositaram RIP, gastaram-se posteriormente centenas de milhões de dólares para remediar a poluição nos terrenos contaminados, além do que foi um atentado à saúde das populações locais que muito sofreram ao longo de muitos anos.
Os técnicos no assunto sabem pela experiência que só a incineração pode destruir os RIP, de modo a desactivar os seus efeitos poluentes, pela destruição das moléculas orgânicas. Sabemos também que alguns RIP podem ser incinerados em processos de co-incineração, mas estes representam somente 10% do total, e são os designados por RIP incineráveis, neste tipo de processos. Os restantes devem ser incinerados numa instalação dedicada a esta queima especial, que os destrói definitivamente.
Empacotá-los e depositá-los num aterro não é tratá-los, mas sim escondê-los. A quem pedir responsabilidades pelos danos futuros?


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Inserido em: 2003-08-02 Última actualização: 1999-11-29

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